Essa grande pintura de um desenho de Poty Lazzarotto (1924-1998) está na face lateral (voltada para a Avenida Marechal Floriano) de um pequeno edifício de três andares, cuja fachada é voltada para a Rua XV de Novembro.
Retrata um operário descansando e fazendo um lanche em um andaime na torre da catedral. Repare na cesta (de pão?), na garrafa e no copo na mão (seria vinho?). Enquanto no céu passa um dirigível.
O operário trabalhando na torre trata-se de uma licença artística. Os zeppelins foram frequentadores dos céus brasileiros entre 1930 e 1937. Em 1936 o dirigível “Hindenburg” sobrevoou os céus de Curitiba. Desconheço qualquer reforma da catedral naquele ano, cuja construção foi concluída em 1893. Já ví uma foto da época mostrando a catedral e o dirigível.
No texto, já bem desgastado, está escrito:
“Por ocasião dos 300 anos da
nossa cidade, cumprem-se
os primeiros 100 anos da
Catedral de Nossa Sra. da Luz
dos Pinhais de Curitiba.
Comemorar é Conhecer.”
O voo do Sr. Theodulo Ceballos
O primeiro registro de voo em Curitiba que conheço é de 1876, quando o mexicano Theodulo Ceballos fez um voo com um balão. Tratava-se na realidade de um espetáculo de circo e o Sr. Theodulo parece que estava mais para malabarista do que para aeronauta.
No jornal “Dezenove de Dezembro” do dia 22 de janeiro de 1876 foi publicado o seguinte anúncio:
“FAMILIA NELSON
GRANDE ASCENSÃO DO BALÃO MONSTRO
O aeronauta Theodulo Ceballos participa ao illustrado publico desta cidade, que pretende executar sua ascenção aerostática no domingo 30 do corrente na praça matriz e como para fazel-a necessita haver uma quantia não inferior a 1:000$ para cobrir os gastos, se trata desde já de organisar uma commissão de differentes senhores imcumbidos de passar os respectivos bilhetes, sendo o preço de cada um 2$000, os quaes não só servirão para a ascenção como para o espetaculo que terá logar nesta noite.
Os bilhetes estão a venda desde já nas pharmacias Requião, e Sttelfeld, bem com nas casas dos Srs. Gustavo Meussin e Miguel Montesano”.
Pelo jeito não foi possível fazer o voo no dia pretendido, mas o mesmo jornal “Dezenove de Dezembro” publicou na sua edição do dia 9 de fevereiro de 1876 uma grande matéria, ocupando aproximadamente 3/4 de página, que transcrevo alguns trechos:
“Como havia sido annunciado, domingo último, 6 do corrente, realisou-se a ascensão do balão aerostatico feita pelo Sr. Ceballos.
Deste as 10 horas da manhã começou o povo a affluir para o largo da Matriz, nas circumvisinhanças do circo. Em todos os semblantes notava-se a extrema curiosidade de assistir ao grande commettimento do audaz mexicano, como um espectaculo todo novo, nunca visto nesta capital.
Espalhou-se, neste interim, a noticia de que a ascensão não poderia ter logar, por não haver-se ainda conseguido completar a quantia necessaria parta o divertimento verificar-se ….
Quasi que toda a população da capital estava alli, …
… mas afinal o signal foi dado, e o aeronáuta appareceu no circo em seus trajos de artista gymnastico … .
A´ordem sua, as cordas que prendiam o balão foram soltas, e com a rapidez do relampago e o sangue frio do stoico, o arrojado mexicano, apegando-se as duas argolas que, abaixo do aorostato, estavam presas aos cordeis que pendiam, … .
Ceballos, seguro apenas pelas duas argolas a que se apegára, executava, entretanto, no ar trabalhos gymnasticos dos mais difficeis, … “.
E assim continuaram descrevendo o ocorrido:
“… No alto de S. Francisco verificou-se, porém, que a descensão se findara um pouco mais distante, nos terrenos de uma chacara do Sr. Lustosa de Andrade, à cerca de 2 kilometros desta cidade.
Muitos curiosos foram, uns à pé e outros à cavallo, até alli; mas a maior parte do povo aguardou no alto o regresso do Sr. Ceballos, para recebel-o com vivas e bravos, e depois, ao som da musica, acompanhanl-o até o circo.”
E a notícia seguiu, informando que o Sr. Ceballos pretendia efetuar um novo voo no dia 13 seguinte.
O voo de Maria Aida
Outro voo de balão que ficou famoso na cidade foi o realizado por Maria Aida em 21 de abril de 1909, sobre o qual já escrevi alguma coisa em “Um brinquedo e a história da cidade”.
O marechal dos ares esteve em Curityba!
Esta foi a manchete de primeira página do jornal “O Estado” no dia 2 de dezembro de 1936, noticiando a visita do dirigível “Hindenburg” ocorrida na manhã do dia anterior.
Foi uma espécie de voo panorâmico para personagens ilustres, partindo do Rio de Janeiro, sobrevoando o litoral até o norte de Santa Catarina, indo até Florianópolis e depois, no retorno, dando uma passadinha sobre Curitiba (onde havia uma colônia alemã significativa).
O jornal registra a presença dos seguintes convidados a bordo: “Ministros Sousa Costa, Gustavo Capanema, gen. João Gomes, almirante Aristides Guilhelm, sr. Luiz Vergara, secretario da presidencia da república; cel. Mendonça Lima, diretor da Central do Brasil, sras. Adelia Vergara, Marietta Duarte Chança, Miranda Teixeira, sr. Paulo Underberg, Manoel Valente, Carlos Maia, Trajano Furtado Reis, director do Departamento Aeronautico Civil; deputados Waldemar Ferreira, Lauro Lopes e Diniz Junior e o sr. Herbert Moses, presidente da Associação Brasileira de Imprensa”.
Enquanto sobrevoava a cidade ocorreram trocas de mensagens telegráficas entre os que estavam a bordo e o governador Manoel Ribas
Transcrevo a seguir algumas passagens da notícia:
“ … Os prédio mais altos já estavam com seus terraços completamente tomados pelos espectadores que primeiro queriam desfructar o deslumbrante espectaculo.”
Ás 9,30 horas, finalmente o “Hindenburg” era avistado, majestosamente, singrando o espaço.
Houve verdadeiro delírio popular.
Voando bastante baixo e vindo do sul, lentamente, o dirigível iniciou um vôo em circulo sobre a cidade.
Todos os seus detalhes podiam ser bem apreciados pela população, que aclamava a Allemanha e accena aos passageiros e tripulação do gigante.
As fabricas e trens apitando o ar sirenes dos jornaes com seu estridor, completavam o festivo aspecto que Curityba apresentava hontem pela manhã.
Depois de evoluir cerca de 40 minutos, sobre a cidade e em todas as direcções, o dirigível retomou a marcha em direcção a lêste.
Seus quatro motores passaram a funccionar com maior ruído, e a aeronave foi-se elevando, foi-se afastando.”
Hoje também seria um grande espetáculo
Caso tivéssemos hoje a passagem de uma aeronave como o “Hindenburg” sobre a cidade ela chamaria atenção da mesma maneira.
Nestes dias esta sendo notícia na impressa a passagem pelo Brasil do “Antonov An-225”, que é considerado a maior aeronave em operação no momento.
O “Antonov An-225” tem só 84 metros de comprimento e 18,1 m de altura. O “Hindenburg” tinha 265 metros de comprimento e um diâmetro de 41,2 m.
Ou seja, seria um espetáculo aqui e em qualquer lugar do mundo.
E assim a gente viaja
Pois é! Começamos com a foto de uma pintura, meio desgastada, na lateral de um prédio e acabamos viajando no dirigível.
Publicação relacionada:
Um brinquedo e a história da cidade
Referências:
FAMILIA NELSON [anúncio]. Dezenove de Dezembro, Curitiba, 22 jan. 1876, n. 1676, p. 4.
O AERONAUTA Ceballos. Dezenove de Dezembro, Curitiba, 9 fev. 1876, n. 1681, Notícias, p. 3.
O MARECHAL do ares esteve em Curityba! O Estado, Curitiba, 2 dez. 1936., ano I, n. 53, p.1