No início do século XX Curitiba contava com 50.124 habitantes (em 1900) e estava crescendo rapidamente, tanto é que em 1920 já tinha 78.896 moradores. As condições de higiene não eram boas; falta de água encanada e sistema de coleta de esgotos, as famosas “casinhas”, muitas vezes próximas dos poços d’água, sujeira espalhada pelas ruas e animais vagando. A mortalidade infantil era bem alta.
Por outro lado surgia uma preocupação com todas essas questões, com diversas pessoas genuinamente preocupadas em melhorar as condições de vida da população em geral. Na área de saúde eram liderados principalmente por médicos, mas participavam também outras pessoas mais esclarecidas da população: filantropos, juristas, engenheiros, educadores, políticos, religiosos e outros.
No caso específico das crianças, boa parte da mortalidade estava relacionada a questões de higiene. Aproximadamente cinquenta porcento das mortes registradas na cidade eram de crianças com menos de cinco anos de idade.
Na mesma época Curitiba tinha diversos grêmios de senhoras da sociedade (quase todos com nome de flores), muitos deles dedicados a filantropia. Esses grêmios organizavam chás, bailes, coisas assim, mas ao mesmo tempo muitos deles tinham preocupações culturais, educativas e assistenciais, desenvolvendo ações significativas em benefício da população (inclusive na área da emancipação da mulher). Sob a liderança de um deles, o Grêmio das Violetas, com apoio do Grêmio Bouquet, em 22 de abril de 1917 fundaram a Cruz Vermelha Paranaense. Um pequeno parêntese, a primeira diretoria da Cruz Vermelha Paranaense era constituída exclusivamente por mulheres. Mas isso foi imediatamente contestado por alguns cavalheiros que colocaram em dúvida a legalidade da constituição da instituição e divergências com o estatuto da Cruz Vermelha Brasileira. Assim, após a legalização da instituição e um estatuto nos conformes com a instituição nacional, em 28 de maio de 1917 foi eleita uma segunda primeira diretoria, com 15 senhores e 15 senhoras. Mas isso é outra história.
A Cruz vermelha teve uma atuação significativa no auxílio aos menos favorecidos durante as epidemias de 1917 (febre tifoide) e 1918 (gripe espanhola).
Em outubro de 1919 a Cruz Vermelha, com o apoio do Grêmio das Violetas, abriu o Instituto de Higiene Infantil (na Rua Barão do Rio Branco, 96; em um prédio emprestado pela família Gomm). Esse Instituto era dedicado ao atendimento de crianças, com consultas, distribuição de remédios e alimentos e vacinação. Desenvolveu também um programa de educação das mães, informando-as sobre a importância das questões de higiene e da alimentação das crianças, dando ênfase ao aleitamento materno (além do leite de vaca e outros animais, tinha a questão das amas de leite); o que foi feito pela Escola de Puericultura.
Ao mesmo tempo a ideia de um hospital infantil foi surgindo e em janeiro de 1920, por sugestão de Margarida Laforge, foi criada uma comissão para a aquisição de um terreno para o Hospital da Crianças.
Em 1920 o terreno para a instalação do hospital foi comprado pela Cruz Vermelha na Avenida Silva Jardim.
A pedra fundamental do futuro hospital foi lançada em 25 de dezembro de 1922. O projeto do prédio foi elaborado por João Moreira Garcez, então prefeito de Curitiba.
No final de 1928 ou início de 1929 as instalações do Instituto de Higiene Infantil e da Escola de Puericultura (também conhecida com Escola de Mãezinhas) foram transferidas para as instalações na Avenida Silva Jardim, que foi oficialmente inaugurada em 2 de fevereiro de 1930. A administração do hospital passou a ser feita por três membros indicados pela Cruz Vermelha do Paraná e outros três indicados pela Faculdade de Medicina do Paraná.
No início o hospital funcionou como uma continuidade do Instituto, com atendimentos em consultórios e ambulatorio.
Em 1932 foram inauguradas as três primeiras enfermarias, com o início dos internamentos hospitalares. Ao longo dos anos o hospital sofreu várias ampliações.
O hospital foi construído, lentamente, na base de doações, listas de subscrições, rifas, sorteios e também com doações do poder público.
Em 1935 a Cruz Vermelha Paranaense passa, mediante contrato de uso e fruto o hospital para a Faculdade de Medicina.
Em 1937, durante o governo do interventor Manoel Ribas, o controle do hospital passa para o Estado do Paraná.
Em 1951 passou a chamar-se Hospital de Crianças César Pernetta. Uma homenagem a um dos grandes pediatras do país e que foi diretor do hospital de 1937 a 1939.
Em 1956 foi criada a Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro, com a finalidade de ajudar na manutenção do hospital.
Em 1971 foi inaugurado ao lado do Hospital de Crianças César Pernetta o Hospital Pequeno Príncipe. Realização patrocinada pela mesma Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro.
Em 1979 a Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro recebe em comodato a administração Hospital de Crianças e passa a integrá-lo com o Pequeno Príncipe.
Em 1990 o Hospital de Crianças César Pernetta e transferido de forma mais ou menos definitiva para a Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro. A lei que autoriza o governo do estado a fazer a doação impõe algumas condições: “O imóvel objeto da doação de que trata esta lei fica gravado com a cláusula de inalienabilidade que deverá constar do respectivo título e será destinado ao atendimento médico hospitalar pediátrico multidisciplinar, ambulatorial e de internamento, …” e “No caso de utilização diversa da especificada no artigo anterior, o imóvel reverterá ao patrimônio do Estado.”
Quando jovem participei junto com a minha esposa (então namorada) e alguns amigos de um trabalho voluntário no Hospital de Crianças. Íamos lá nos sábados à tarde para brincarmos com as crianças, principalmente da ala de ortopedia. Também ajudávamos as enfermeiras a alimentarem as crianças. Muitas delas estavam imobilizadas e necessitavam de auxílio.
Um dia uma enfermeira contou que a maioria das crianças era do interior e recebiam poucas visitas dos pais, geralmente famílias pobres, com poucos recursos para viajarem. Falou que muitas das crianças ficavam internadas por longo tempo, uma vez que antes de iniciar o tratamento era necessário resolver a questão da subnutrição.
Lembro também que sempre que estávamos lá chegava uma senhorinha com uma sacola de mão bem grande. Dentro da sacola ela tinha bananas e saía de cama em cama distribuindo uma para cada criança, que deliciavam-se com a fruta.
O prédio, que é uma Unidade de Interesse de Preservação, é simples, mas bem bonito, com detalhes decorativos típicos da época em que foi projetado. Gosto de maneira especial da parte central dele, onde fica a entrada principal.
AVANCINI, Claudinéia Maria Vischi. As origens do hospital de crianças: saúde e educação em Curitiba, 1917-1932. 2011. 124 f. Dissertação (Mestrado em educação) - Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
HOSPITAL Pequeno Príncipe [site]. Nossa história. Disponível em: <https://pequenoprincipe.org.br/institucional/nossa-historia/>. Acesso em: 22 mar. 2022.
PARANÁ. Lei nº 9.139, de 24 de novembro de 1989. Autoriza o Poder Executivo a doar o Hospital de Crianças César Perneta à Associação Hospitalar De Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro.