sábado, 29 de junho de 2024

Teatro do Paiol

Teatro do Paiol, antigo paiol de pólvora
Teatro do Paiol, antigo paiol de pólvora
Teatro do Paiol, antigo paiol de pólvora

Recentemente comprei o livro “Os passos de Dom Pedro II em sua visita a Curitiba” de Paulo Roberto Grani. Uma coisa em especial chamou a minha atenção, quando escreveu sobre o paiol que D. Pedro II visitou: “Muitos historiadores de Curitiba citam, equivocadamente, ser o paiol onde hoje está o “Teatro do Paiol”, no entanto, vale lembrar que este último foi construído somente em 1906, …”. ¹
Baseado em algumas fontes escrevi aqui que o atual “Teatro do Paiol” teria sido construído em 1873 (entregue em 1874) ² ³  e que teria sido visitado por D. Pedro II. ² O que não era correto.
Entrei em contato com o Paulo e ele indicou-me um texto que havia publicado em uma rede social ⁴. Com base nessas informações voltei a pesquisar o assunto.

Sim, um “Paiol de Pólvora” foi construído em 1873 e inaugurado 1874⁵ e foi visitado por D. Pedro II em 24 de maio de 1880 ⁶. A questão é: onde ficava esse paiol?

Em 1902 a “commissão do rocio e quadro urbano” da Câmara Municipal examinou o “Projecto n. 16” que concedia ao exército uma área “no lugar Agua Verde, onde se acha edificado o Paiol da Polvora”. Mais adiante, o projeto de lei especifica ainda melhor a localização do tal terreno: “Ao Norte com a rua Ivahy (atual Avenida Getúlio Vargas) de 24 ms.; à Leste com a rua Buenos Ayres sobre 78m,60 de frente; ao Sul com os terrenos de José Hauer com uma extensão de 87 ms., e à Oeste com o lote n. 40 dos terrenos pertencentes aos herdeiros de João Alves dos Santos, na extensão de 72 ms.⁷ Mais ou menos onde hoje fica a Praça Afonso Botelho.
Outra indicação da localização do antigo Paiol de Pólvora é a “Planta de Curityba” de 1894, que marca o local na esquina da Rua Ivahy com a Rua Buenos Ayres.²⁰
Esse paiol continuou funcionando mesmo após o prédio do atual do “Teatro do Paiol” ser construído. Em 15 de outubro de 1914 o jornal “Diário da Tarde”, visitando melhorias que estavam sendo feitas pelo prefeito Cândido de Abreu fala de obras na Rua Ivahy (atual Avenida Getúlio Vargas) e na Rua Buenos Ayres, e menciona a proximidade do paiol de pólvora.⁸

A confusão na informação parece ser entre “Paio de Pólvora” e “Paiol de Inflamáveis”.  O “Paiol de Pólvora” era um depósito de explosivos do exército e o “Paiol de Inflamáveis” era uma coisa da prefeitura.

Em um edital publicado em 1893 no “A República” o secretário da câmara Municipal torna  público o artigo 45 das posturas municipais, que proíbe o armazenamento de grandes porções de pólvora e materiais inflamáveis (querosene, aguarrás, formicida, fósforo) nos estabelecimentos comerciais ou casas particulares. O armazenamento de dinamite era totalmente proibido na cidade. Tudo isso sob pena de multa. “A camara no intuito de providenciar sobre este assumpto estabeleceu um deposito de inflammaveis no edificio situado nos fundos do cemiterio municipal, para onde os negociantes deverão remetter, por enquanto, simplesmente a polvora e a dynamite.” ⁹ Mais tarde é possível constatar que todos os outros inflamáveis eram armazenados lá.

Não sei se desde o início foi assim, mas em 10 de abril de 1902 foi celebrado um contrato com José Ferreira Borges, para o arrendamento do “Depósito de Inflamáveis”, pelo prazo de quatro anos. O arrendatário deveria levar as mercadorias da estação ferroviária para o depósito e fazer as entregas aos comerciantes, na medida da necessidade. Para isso recebia uma taxa de armazenamento (válida por três meses). No caso de cargas maiores entre a estrada de ferro e o depósito, poderia cobrar taxa extras. Enfim, o contrato estabelece uma serie de obrigações e direitos e determinava também os valores a serem cobrados por categoria de produto armazenado.¹⁰

No início de 1907 foi publicado em edital da Câmara Municipal chamando concorrente para a construção de um novo depósito de inflamáveis.¹¹
Em março de 1907 no expediente da câmara uma “mensagem do Prefeito remettendo as plantas que foram apresentada para edificação de um Deposito de Inflammaveis”.¹²
Em julho de 1907 o prefeito encaminhou para a câmara uma cópia do contrato para a edificação do depósito de inflamáveis.¹³ E no mesmo mês a câmara discutiu “o contracto lavrado com Frederico Seegmuller e Augusto Gross para um depósito de inflammaveis.” ¹⁴
 E finalmente em primeiro de novembro de 1907 o jornal “A Notícia” publicou: “Inaugurou-se hoje, o novo deposito de inflamaveis dos srs. Seegmüller & Gross, sito nas proximidades do Prado. Depois de procedida a leitura da autorização legal para o funccionamento do deposito, o sr. Claro Cordeiro, em nome da Prefeitura da Capital, declarou o mesmo inaugurado. Aos convidados foi servido um laudo lunch. Agradecemos a gentilezas que dispensaram ao nosso representante.” ¹⁵
Em ata da seção da câmara de 28 de março de 1908, publicada no “A República”, em que o prefeito faz uma prestação de contas, encontra-se o seguinte, em relação ao depósito de inflamáveis: “Pela lei n. 170 de 23 de abril de 1906, ficou esta Prefeitura autorizada a vender em hasta publica o antigo Deposito de Inflammaveis para construcção de um outro; com então a Camara não dispunha de recursos sufficientes para este fim, foram chamados concorrentes de accordo com o art. 18 das Disposições geraes do orçamento de 1907, tendo sido lavrado o contracto em 18 de Abril do mesmo anno com o sr. Frederico Seegmüller que executou as obras de accordo com a exigencia da Secção Technica, nas immediações do actual Prado de Corridas, ficando assim assegurados os interesses do commercio que de ha muito vinha reclamando esse melhoramento. Em 31 de Outubro de 1907 foi recebido o novo edificio e feito entrega ao contractante, achando se este de posse do mesmo deposito com todos os direitos determinados em seu contracto.” ¹⁶

Ou seja, o prédio do atual “Teatro do Paiol” foi construído e inaugurado em 1907.

Com a cidade crescendo, em 1940 0 jornal “Diário da Tarde” publicou um artigo  com o título “Um perigo publico” e com o subtítulo “Um apelo aflitivo ao SMR Prefeito sobre a situação do depósito de inflamaveis no Prado”. O início do artigo diz: “Ha tempos, em sucessivas reportagens, DIARIO DA TARDE focalizou a inconveniencia do local em que se encontra o Deposito de Inflamaveis da Prefeitura Municipal, no Prado, permeio a um formigueiro de moradores. Pode-se dizer que esse fato mantem a população das redondesas em verdadeiro estado de alarme.” E continuava narrando como a população montava guarda nas “noites dos Santos Fogueteiros”, para evitar a queda de balões no local.¹⁷
No final de 1947 o depósito continuava lá e o “Diário da Tarde” continuava reclamando, pedido a remoção. Informava também que “Ha cerca de um ano a Prefeitura iniciou a construção de um novo depósito na Barreirinha. Porém, por motivos que ignoramos, as obras foram paralisadas …”¹⁸

No final de 1948 “A Divulgação” publicou estar em final de construção um novo prédio (com foto) na Barreirinha destinado a depósito de inflamáveis e que o velho “Paiol da Pólvora” seria desativado.¹⁹
A transferência ocorreu efetivamente durante a gestão (1949-1951) do prefeito Lineu Ferreira do Amaral (1897-1979).²

Dizem que o prédio mostrado nas fotos depois virou arquivo municipal e mais tarde passou ao uso da secretaria de obras e pavimentação. Não verifiquei em detalhes essas informações.

Durante a administração do prefeito Jaime Lerner foi transformado em um teatro, com o projeto da reforma feito pelo arquiteto Abrão Assad. A inauguração do teatro foi no dia 27 de dezembro de 1971. ³

O teatro do Paiol está localizado no Largo Professor Guido Viaro e o prédio é uma Unidade de Interesse de Preservação.
texto alterado em 25 set. 2024

Publicação relacionada:

Referências:
¹ GRANI, Paulo Roberto. Os passos de Dom Pedro II em sua visita a Curitiba. 1ª ed. Curitiba: Editora Schwarzbrunn, 2024. 166 p.
² MACEDO, Rafael Valdomiro Greca de. Curitiba Luz dos Pinhais. 2º ed. Curitiba: Solar do Rosário, 2018. 592 p. 
³ WIKIPEDIA. Teatro Paiol. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_Paiol>. Acesso em: 25 jun. 2024.
⁴ GRANI, Paulo Roberto. Desembaralhando a história [publicação em rede social]. Curitiba, 24 jul. 2022. Disponível em: <https://www.facebook.com/paulorobertograni.grani/posts/pfbid0umPZpEZzZfmuMxHnVMHksYDXJ6Bhpi1GkfpFYLBMV8Uop1Te3vxoTEigD4YEWzxRl>. Acesso em: 24 set. 2024.
⁵ DEPÓSITO de artigos belicos e paiol da polvora. Dezenove de Dezembro, Curitiba, 10 jan. 1874. Anno XXL, n 1470. Noticiário, p. 2-3.
⁶ D. PEDRO II. Diários. Maço 37, Doc. 1057, Vol. 23. Arquivo da Casa Imperial do Brasil - POB. Transcrições gentilmente fornecidas pelo Museu Imperial/IBRAM/MinC.
⁷ CAMARA municipal. A Republica, Curitiba, 1902 jan. 31. anno XVII , n. 16, p. 2.
⁸ MELHORAMENTOS Municipaes. Diario da Tarde, Curitiba, 15 out. 1914, anno XVII, n. 4918, p. 1.
⁹ EDITAES. A Republica, Curitiba, 25 nov. 1893, anno VIII, n. 253, p.2.
¹⁰ CAMARA municipal. Termo de contrato lavrado com José Ferreira Borges para deposito de inflamaveis. A Republica, Curitiba, 24 abr. 1902, anno XVII, n. 92, p. 2.
¹¹ CAMARA municipal. Edital. A Republica, Curitiba, 02 jan. 1907, anno XXI, n. 1, p. 6.
¹² CAMARA municipal, Sessão de hoje. A Republica, Curitiba, 23 mar. 1907, anno XXII, n 69, p. 2.
¹³ CAMARA municipal, Sessão de hoje. A Republica, Curitiba, 05 jul 1907, anno XXII, n 155, p. 2.
¹⁴ CAMARA municipal, Sessão de hoje. A Republica, Curitiba, 10 jul. 1907, anno XXII, n. 159, p. 4.
¹⁵ NOTICIAS. A Notícia, Curitiba, 01 nov. 1907. anno II, n. 623, p. 2.
¹⁶ GOVERNO municipal. Camara Municipal, Acta da Sessão em 18 de março de 1908. A Republica, Curitiba, 21 abr. 1908, anno XXIII, n. 92, p. 1.
¹⁷ UM PERIGO publico. Diário da Tarde, Curitiba, 2 jul. 1940, ano 42, n 13651, p 1.
¹⁸ UM DEPÓSITO de inflamaveis que compromete populosa zona. Diário da Tarde, Curitiba, 12 nov. 1947, ano 49, n. 16493, p. 5.
¹⁹ SATISFEITA afinal uma justa aspiração do povo curitibano. A Divulgação, Curitiba, nov./dez. 1948, ano I, n. 12-13, p. 29.
²⁰ LESCHAUD, Marcos (desenhista). Planta de Curityba, capital do Estado do Paraná. [Curitiba]: 1894. 1 planta: 30 x 27 cm. Escala: 1:10.000. Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_og/0/map/0124/br_rjanrio_og_0_map_0124_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 set. 2024.